Que significa “Coexistir na Criação”?

Por Géssica Dias e Josias Vieira
Temos visto muitas manifestações sobre questões relacionadas ao meio ambiente, tais como celebrações ao dia da água, da terra, da floresta etc. Até mesmo nas igrejas encontramos programações que contemplam o tema. No campo dos estudos teológicos há uma seção da teologia falando acerca da Teologia da Criação. É importante, porém, entender o motivo pelo qual a palavra “Criação” está escrita com a inicial maiúscula, mesmo não estando no início da frase ou no título, já que a língua portuguesa indica que se escreva com o primeiro caractere maiúsculo apenas as palavras que sejam substantivos próprios. Pois bem, iniciemos este texto com um pouco de história para compreender melhor a questão.

No decorrer da história do cristianismo, a igreja herdou a influência sincrética romana do Maniqueísmo, separando tudo entre espiritual e carnal, bem e mal, sobrenatural e natural – a esta última sendo atribuída uma carga de pecado e classificando como profano tudo que não é sobrenatural. Porém, não há nada tão impuro que não possa ser usado. Mas o que queremos dizer com isso? É que ao mesmo tempo em que, a partir desse Maniqueismo herdado, condenamos ao fogo todo o “mundo”, é dele que nos alimentamos e nos mantemos, e ainda, como igreja, e essa com “i” minúsculo, damos apoio a uma estrutura egoísta e avarenta que extrai desse mesmo mundo toda riqueza que puder acumular. Assim, e para isso, o transforma em objeto de dominação, como é o caso dos “recursos” naturais, aqueles e aquelas que são apenas recursos, ou seja, servem para satisfazer necessidades, e essas do ser humano, claro.

No âmbito da satisfação humana, onde o homem é o centro de todas as coisas – ideia herdada do humanismo renascentista –, há um distanciamento cada vez maior da noção de interdependência entre os seres, o que contribui para o processo de objetificação da natureza, no qual fauna, flora e minerais passam ser “o que” ao invés de “quem”. E de “quem” se está falando? Da Criação!

Nessa perspectiva, as posturas da igreja são muito bem fundamentadas, principalmente nos textos de Gênesis 1.26 e II Pedro 3.12. O problema recorrente que precisa ser observado, é que dissociados do contexto em que foram escritos, e, assim, mal lidos, resultam na coisificação do que Deus disse que é “muito bom” (Gn 1.31).

É preciso se perguntar: A Bíblia está falando de “domínio” como exploração ou responsabilidade? Destruição ou purificação? Será que o chamado de Deus não estaria melhor ilustrado na devida atenção a Gn 2.15?

A Criação de Deus se dá no decorrer da história e no mundo (kosmos), totalidade criada por ele. Uma vez que nessa totalidade está o ser humano, seria uma incoerência pensar que tudo o que Deus criou serve unicamente para a satisfação hedônica do ser humano e sua insaciável fome por prazer, acúmulo e realização individual. É preciso entendermos uma existência comum e partilhada entre tudo o que foi criado por Deus. Portanto, coexistir na Criação é entender que a igreja, enquanto reunião de seres humanos, precisa encontrar a prática de sua espiritualidade em meio à Criação do Deus que tudo fez, entendendo que tudo foi criado cumprindo um principal propósito: anunciar quem é esse Deus (Sl 19.1).

Assim, entendemos que a Criação – para além de um complexo diverso e rico –, é em si mesma e, por isso, recebe a pessoalidade conferida pela imanência do Deus que se revela em tudo que criou. Isso possibilita o que pode ser chamado de “democracia entre as espécies”, onde cada ser possui seu papel ativo nas relações de interdependência e coabitação, resultando em anomalias quando há a sobreposição ou mesmo exclusividade de alguma espécie, como é o caso das ações antrópicas, ou seja, quando o homem age em transformação da natureza, ávido por um desenvolvimento irresponsável, causando catástrofes em escala algumas vezes irreversíveis.

Neste sentido, coexistir na Criação é se entender parte, e não a parte. É não utilizar do critério da racionalidade humana para poder impor o status de superioridade, pois, como nos ensina o sábio ditado africano: “enquanto os leões não souberem escrever, os caçadores serão sempre os heróis nas narrativas de caça”. Portanto, é entender também que o plano salvífico de Deus está para toda a Criação, sem distinção ou escala de valor.

 

Sobre os autores

Géssica Dias – Assistente Social pela (UFPE); pós-graduada em Política pelo CEFEP/PUC-Rio; assessora da Escola de Fé e Política Pe. Humberto Plummen; assistente social do Instituto Solidare; integrante da Campanha Renovar Nosso Mundo e da Frente de Evangélicos pelo Estado de Diereito; membro da Igreja Batista em Coqueiral e co-autora nos livros: “Porque Deus amou o mundo: Igreja & ODS”; “Que venha o teu Reino – Uma igreja para hoje”; e; “Jesus e os Direitos Humanos.”

Josias Vieira – Estudante de Teologia; pastoreia há 2 anos o Grupo de Estudos Bíblicos Nós na Criação – Projeto Rio Limpo, Cidade Saudável; compõe o Grupo de Estudos Pe. José Comblin (UNUCAP); integrante da Campanha Renovar Nosso Mundo; do Movimento PE de Paz e da Frente de Evangélic@s pelo Estado de Direito, e membro da Igreja Batista em Coqueiral, em Recife – PE.

Mais conteúdo sobre o pensando teológico em uma linha decolonial, os autores indicam:

- Afonso Murad, em seu artigo: O Núcleo da Ecoteologia e a Unidade da Experiência Salvífica.

- Timóteo Carriker, no Livro: Teologia da Criação.

- Diego Irarrazaval, em sua vasta obra literária.

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