Uma economia restaurativa: pelo amor de toda a criação

[por Naomi Foxwood]

Desde o princípio, a intenção de Deus de que houvesse paz na criação (shalom) significou muito mais do que apenas a ausência de violência. Um aspecto central para uma compreensão cristã da intenção de Deus para a sua criação é a ideia de que a vida se trata inerentemente de relacionamentos entrelaçados e de afinidade. Milênios antes do surgimento das ideias modernas de simbiose, ecologia ou sistemas adaptativos complexos, o relato da criação encontrado na Bíblia já era centrado na plenitude, a unidade fundamental de toda a criação de Deus. A teóloga Margaret Barker escreve:

A visão bíblica de mundo é uma visão da unidade de todas as coisas, e de como o mundo material visível se relaciona com outra dimensão da existência, que une todas as coisas em um sistema divinamente ordenado, conhecido como a aliança eterna, a aliança da criação.[i]
Esta é uma visão de mundo que está em acentuado contraste com a abordagem materialista da criação, que é uma das características determinantes da modernidade. Longe de uma prática cultural prevalecente de dominar a terra para obter ganhos materiais, a visão de mundo cristã sobre a criação começa a partir de um universo que é radicalmente vivo e precioso. Nesse universo, os seres humanos têm um papel singular que inclui, mas também vai muito além, da “mordomia”.

A intenção de Deus para a criação inclui uma forte ênfase no papel dos seres humanos, de mostrar amor constante por Deus e uns pelos outros e cuidar da criação de Deus como parte de um conjunto interligado de relacionamentos de shalom.

Quando o nosso relacionamento com a criação é rompido, ele tem um impacto devastador em todos os nossos relacionamentos. Vivemos em uma época em que a pressão sobre a criação é maior do que nunca. Esse é o resultado do desenvolvimento insustentável, do consumo desenfreado e da degradação ambiental. Essa é uma violação da intenção de Deus para a criação e também é algo que está tendo um efeito negativo nas pessoas, especialmente nas que são mais vulneráveis entre nós. É um desafio especial para a nossa geração. Nos últimos 25 anos, mais pessoas saíram da pobreza do que em qualquer outro momento da história, porque a economia mundial cresceu — mas a maneira como fizemos isso é insustentável. Alteramos o clima e danificamos o meio ambiente, e, se nada mudar, milhões de pessoas serão novamente forçadas a viver na pobreza.

Os cientistas dizem que, se a temperatura média global aumentar mais de 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais, as consequências poderão ser desastrosas. O aumento da temperatura pode não parecer muito grande, mas tem um impacto enorme nos países de menor renda, os quais já enfrentam enormes desafios para se desenvolver. Alguns dos impactos atuais e futuros da mudança climática incluem:

  • Precipitações imprevisíveis de chuva: muitas regiões estão experimentando grandes variações nas precipitações, o que causa secas, inundações e colheitas ruins.
  • Eventos climáticos extremos: as ondas de calor, as inundações e as secas estão acontecendo com mais intensidade e frequência, causando um aumento no número de desastres.
  • Elevação do nível do mar: à medida que os oceanos se aquecem, a água se expande, causando a elevação do nível do mar. Também existe a ameaça do derretimento das calotas polares, o que levaria a uma elevação ainda mais dramática do nível do mar. Isso ameaça as ilhas baixas e as zonas costeiras.
  • Outros impactos incluem o aumento da migração para as áreas urbanas, os conflitos por alimentos e água e o aumento na incidência de doenças, como a malária. As mudanças climáticas também terão um impacto enorme na biodiversidade vegetal e animal.
Precisamos de uma economia que restaure e proteja a aliança de paz instituída por Deus; uma economia restaurativa, em vez de uma economia destrutiva. Em Levítico, encontramos o conceito bíblico do Jubileu: uma história que nos dá esperança e nos inspira sobre como o povo de Deus pode viver em um relacionamento adequado com ele, entre si e com a terra:

Em primeiro lugar, o Jubileu fala sobre restauração ambiental. Na prática, isso significaria viver dentro dos limites do meio ambiente, garantindo que a nossa economia trabalhe a favor e não contra a criação que Deus nos deu. De acordo com o Salmo 24, a abundância da terra pertence a todos nós e, por fim, a Deus. Isso vem acompanhado da responsabilidade de administrá-la cuidadosamente e de também compartilhar os rendimentos dessa riqueza natural de forma justa, assim como os jubileus reajustaram a propriedade da terra de acordo com uma base per capita igualitária.

Em segundo lugar, o Jubileu fala sobre o descanso para aqueles que vivem na pobreza. Uma economia restaurativa garantiria que todos pudessem ter suas necessidades básicas atendidas, proporcionando um ambiente favorável e um piso básico de segurança econômica e proteção a todos os sete bilhões de habitantes do mundo. Isso ofereceria uma base para o florescimento humano e todas as pessoas poderiam alcançar o seu potencial.

Para finalizar, o Jubileu proclama a necessidade de termos uma distribuição justa da riqueza. Uma economia restaurativa manteria a desigualdade dentro de limites razoáveis. Isso não inclui apenas a desigualdade de renda, mas também o benefício desigual da riqueza natural da terra, a qual é a nossa herança compartilhada.

Muitas das mudanças necessárias para responder à nossa crise ambiental e às crises humanitárias relacionadas requerem sacrifício — mas também, paradoxalmente, nos oferecem a oportunidade de viver mais plenamente. Elas exigem que rejeitemos a conformidade com os padrões de estilo de vida ao nosso redor e que tracemos um novo caminho. Se fizermos as coisas de uma outra forma, todos poderão ter o suficiente para florescer, e também seremos muito menos desiguais. A igreja é chamada para liderar vivendo de uma forma simples, pensando de uma forma diferente e manifestando-se. Quando um número suficiente de pessoas comuns fizer isso, os governos farão as grandes mudanças que precisamos que eles façam. Se deixarmos isso para a próxima geração, será tarde demais.

Leiam Gênesis 1 e 2

Perguntas para Discussão

  1. Qual é a conexão mais clara que vocês veem entre a degeneração no meio ambiente e a degeneração na humanidade?
  2. Que teologia de cuidado da criação vocês seguem? Vocês adotaram alguma?
  3. De que maneiras vocês tentam cuidar da criação de Deus em sua vida diária?
  4. Por que vocês acham que, ao longo da sua história, a igreja tem permanecido em grande medida calada em relação ao cuidado da criação? Vocês acham que isso está mudando?
  5. O que Deus está lhe dizendo, e como você vai responder?

Juntos

Parem por um momento e anotem três questões de justiça sobre as quais vocês têm mais interesse. Não há uma resposta “certa”. Façam uma lista do que está em seus corações: refugiados, conflito, educação, fome, tráfico de seres humanos, pobreza extrema ou mudança climática, por exemplo. Compartilhem suas listas uns com os outros e anotem os três problemas que foram mais mencionados. Em seguida e em grupo, discutam sobre como o cuidado da criação (ou a falta dele) afeta esses problemas. Isso ajudará a mostrar a relação que existe entre o meio ambiente e o que normalmente consideramos serem questões humanitárias.

Consideremos, por exemplo, o tráfico de seres humanos:

  • Áreas impactadas por desastres costumam se tornar ambientes ideais para a atuação de traficantes.
  • Pessoas desalojadas por causa da fome, da falta de água ou de desastres ficam vulneráveis ao tráfico.
Comecem a aprender juntos como o cuidado da criação e o cuidado com as pessoas estão interligados.

Trabalho Individual

Considere o que você faz ao longo de uma semana que pode afetar o meio ambiente. Examine o seu estilo de vida e as decisões que você toma que dependem da criação de Deus: consumo de recursos, alimentos, resíduos etc. Adicione um item relacionado ao “cuidado da criação” ao seu plano de ação. Pense em três coisas que você pode começar a mudar em relação aos seus hábitos que terão um impacto positivo na criação.

Oração

“Senhor, perdoa-me pelas ações que realizei e que prejudicam a tua criação. Por favor, orienta-me a estar mais atento(a) sobre como posso proteger o mundo criado por ti. Ajuda-me a ver como as ações que tomo afetam a tua criação, os meus irmãos e as minhas irmãs em todo o mundo. Orienta as minhas decisões para que eu viva em shalom com toda a criação.”
Notas: Texto publicado originalmente aqui. Foto: Fotos Públicas. Ascom Bahia.
[i] 7 Barker, M (2010). “Creation: a biblical vision for the environment”, T&T Clark, Londres.

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