Por Lourdes BrazilO tema “Encantamento com a criação em tempos de pandemia” sugere a nós algumas indagações. Como se encantar com a natureza em meio a contaminações, mortes e ameaças? Como promover o encantamento? Quais seriam as melhores estratégias? Em quais espaços elas poderiam ser implementadas?
Como se encantar com a criação em meio a tanta degradação?
Considero que é possível encantar-se nesses tempos de medos e incertezas e que também o encantamento pode ajudar no enfrentamento das agressões. Uma das formas para isso, passa, obrigatoriamente, pela responsabilidade que deverão ser assumidas em nível individual, pelas famílias e instituições.
Alguns fatores contribuem para o aumento na taxa de surgimentos de novos vírus. Entre os maiores exemplos estão o desmatamento e a criação de animais em espaços confinados. Alguns estudos mostram como o transporte de animais de distintas espécies em precárias condições aumentam a interação entre vírus de espécies diferentes, podendo provocar a circulação de novos coronavírus.
Nesse contexto, o grande desafio se constitui na busca por novas formas de relação entre os seres humanos e a natureza e, consequentemente, dos seres humanos entre si. Uma natureza na qual os homens se reconheçam como parte integrante e, por ela sejam responsáveis. Não podemos continuar com a percepção de uma natureza dominada, que pode nos fornecer tudo o que precisamos e receber de volta tudo o que não precisamos mais, acrescido de uma série de produtos químicos, altamente poluentes.
Há necessidade de medidas políticas, econômicas e éticas. Porem há medidas individuais, uma delas é o que podemos chamar de reaproximaçao consciente.
Reaproximação consciente com a natureza
Nessa encruzilhada em que nos encontramos é preciso uma reaproximação com a natureza, na qual os seres humanos se reconheçam como parte integrante e, por ela sejam responsáveis. Uma reaproximação que não privilegie somente os benefícios para o ser humano, mas os benefícios para a natureza. Uma reaproximação com disposição de cuidar e aprender.Para Leonardo Boff, o enfrentamento e superação dessa situação pode ser viabilizado através do ato de cuidar. Segundo ele, não se trata de momentos de cuidados, mas de uma atitude permanente de cuidados: “Cuidar é muito mais do que um ato; é uma atitude. Portanto abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” Boff (1999;25).
Nossas igrejas precisam desenvolver estratégias para praticar o cuidado nesta aproximação com a natureza. É válido observar os princípios do conceito de Mordomia da Terra:
- Pedir perdão por nossa negligência;
- Reconhecer que fomos designados cuidadores da criação;
- Reconhecer a grandiosidade da criação;
- Enaltecer ao Senhor por suas obras;
- Aprender a cuidar da criação de forma a satisfazer o Senhor.
- Conhecer, ao invés de desconhecer. Para isso é preciso usar todos os sentidos. Dar sentido aos sentidos.
- Fornecer, ao invés de extrair. Para isso é preciso conhecer as necessidades.
- Cuidar, ao invés de degradar. Cuidar de forma permanente.
- Confiar, ao invés de temer.
- Dialogar.
Assumindo compromissos
Há uma urgência no envolvimento das nossas instituições religiosas se envolverem no cuidado com a criação de forma permanente. Muitas das nossas instituições estão localizadas em áreas pobres das cidades, nas quais vivem parcelas consideráveis da população impactada e que são atendidas por algumas instituições religiosas.A pandemia da COVID 19 deixará sequelas sociais e psicológicas em muitas pessoas. Além de atendimento, é necessária uma participação intensa no enfrentamento dos fatores que levaram a emergência dessa pandemia, agindo para que nosso planeta não deixe de ser aquilo para o qual foi criado, expresso em Isaias 45:18. Deus criou a Terra e a edificou; não para ser um caos, mas para ser habitada. Habitada por todas as espécies em toda a sua plenitude. Está na hora de aprender a cuidar da criação de forma a satisfazer o Senhor.
Sobre a autora: Lourdes Brazil é professora, doutora e pesquisadora em Ecologia Social, especialista em Planejamento Ambiental, fundadora e diretora do Centro de Educação Ambiental Gênesis, integrante do movimento Renovar Nosso Mundo e membro da Igreja Batista de Niterói, Rio de Janeiro.
NotasOs apontamos apresentados neste artigo são frutos do trabalho desenvolvido no Centro de Educação Ambiental Gênesis – instituição que tem como missão educar para a sustentabilidade, com atividades voltadas para instituições de ensino, religiosas e empresas, juntando ciência e religião, a partir textos bíblicos e contribuições de autores como Boff, Capra, D’Moor, entre outros.
Este artigo foi produzido para a participação da autora na live “Encantamento com a criação em tempos de pandemia”. Clique aqui e assista ao vídeo onde ela desenvolve com mais detalhes os apontamentos apresentados no texto.